Breve Resumo
A aula magna sobre "No Seu Pescoço" de Chimamanda Ngozi Adichie explora a obra através de três chaves de leitura principais: interseccionalidade, angústia e a estrutura dos contos com finais em aberto. A professora destaca a importância da leitura completa da obra para além de resumos, enfatizando a mudança subjetiva que a literatura pode proporcionar. A escolha da obra para o vestibular é justificada pela sua qualidade estética, relevância temática e proximidade com o Brasil contemporâneo.
- Interseccionalidade: Análise das múltiplas opressões que afetam as personagens, considerando raça, gênero, classe social e localização geográfica.
- Angústia: Exploração do conceito filosófico da angústia como a "vertigem da liberdade", presente nas escolhas difíceis enfrentadas pelas personagens.
- Estrutura dos Contos: Discussão sobre a característica da autora de não apresentar desfechos completos, deixando os finais em aberto e provocando reflexão no leitor.
Introdução [0:02]
A professora expressa sua paixão pela obra "No Seu Pescoço" de Chimamanda Ngozi Adichie e ressalta a importância da leitura completa em vez de depender de resumos. Ela critica a ideia de que resumos podem substituir a experiência subjetiva e transformadora da leitura, enfatizando que a literatura no vestibular busca avaliar a capacidade do leitor de se transformar através da obra. A professora declara sua reverência à literatura e introduz a análise da obra de Adichie.
Inovação na Lista da Unicamp [2:51]
A Unicamp inova ao incluir uma obra contemporânea nigeriana na lista de leitura, rompendo com a tradição de obras lusófonas ou brasileiras. A professora argumenta que essa escolha é justificada pela qualidade estética da obra, que transcende a tradução, pela identificação do leitor com as violências retratadas, que são semelhantes às do Brasil, e pela ligação histórica e cultural com a Nigéria, especialmente com o povo Iorubá. Ela menciona a complexidade étnica da Nigéria e a importância de entender esse contexto para apreciar a obra.
Três Argumentos para a Escolha da Obra [5:42]
A professora apresenta três argumentos para justificar a escolha da obra: a qualidade estética da escrita, a proximidade temática com a realidade brasileira e a relevância cultural da Nigéria. Ela destaca que a obra permite ao leitor esquecer que não se trata de um livro brasileiro, devido à universalidade dos temas abordados, como a violência policial. Além disso, ressalta a importância da Nigéria como país de origem de grande parte da população escravizada no Brasil, especialmente do povo Iorubá.
Biografia da Autora e Chaves de Leitura [11:53]
A professora menciona brevemente a biografia de Chimamanda Ngozi Adichie, destacando sua consciência social e trabalho na restauração do ensino da literatura na Nigéria. Em seguida, introduz sua metodologia de "chaves de leitura" para abordar a obra, enfatizando que essas chaves são apenas um ponto de partida e não devem reduzir a riqueza da obra. As três chaves de leitura escolhidas são: interseccionalidade, angústia e a estrutura dos contos com finais em aberto.
Interseccionalidade [16:30]
A professora explica o conceito de interseccionalidade, originado no campo do direito por Kimberlé Crenshaw, como a sobreposição de diferentes opressões que afetam as mulheres negras. Ela cita Sueli Carneiro para ilustrar que mulheres negras enfrentam uma "cordilheira" de desafios devido à interseccionalidade de raça, gênero, classe social e localização geográfica. A professora menciona Carla Akotirene como referência no estudo da interseccionalidade no Brasil e destaca a metáfora das mulheres negras como estando nas "avenidas da diferença".
Angústia [20:08]
A professora explica o conceito filosófico de angústia, baseando-se em Søren Kierkegaard, como a "vertigem da liberdade", ou seja, o sofrimento de ter que escolher. Ela ilustra com exemplos cotidianos, como a escolha entre um relacionamento amoroso e a liberdade de explorar outras opções, ou a dificuldade de escolher entre diferentes pratos em um restaurante. A professora ressalta que a vida não escolhida sempre parece melhor e que a angústia é o sofrimento de ter que fazer escolhas.
Estrutura do Conto [23:32]
A professora discute a estrutura do conto como um gênero literário delicado, que exige concisão e foco em um único conflito. Ela menciona o decálogo do perfeito contista de Horácio Quiroga, que enfatiza a importância das três primeiras e últimas linhas do conto. A professora destaca que Chimamanda Ngozi Adichie, ao não apresentar desfechos completos em seus contos, mimetiza a complexidade da realidade social nigeriana e mundial.
Cela Um [25:38]
O conto "Cela Um" é narrado pela irmã de um jovem de classe média que se envolve em atividades de gangues e é preso. A história se passa na Nigéria dos anos 80 e 90 e explora a violência policial e os privilégios de classe social. A professora destaca o colorismo presente no conto, onde o irmão, por ser mais claro, é considerado mais bonito e valorizado. No entanto, ele passa por uma transformação ao testemunhar o sofrimento de outros presos e demonstra empatia. A professora ressalta a complexidade dos personagens de Adichie, que não são simplesmente bons ou maus.
Réplica [30:54]
O conto "Réplica" se passa nos Estados Unidos e narra a história de uma mulher nigeriana casada com um homem nigeriano que coleciona réplicas de máscaras africanas. A protagonista sofre ao descobrir que o marido tem outra mulher na Nigéria, uma réplica dela mais jovem. O conto explora a angústia da protagonista em ser a original em um mundo de réplicas e sua luta para lidar com a situação. A professora destaca o simbolismo da peça original que o marido traz da Nigéria e a decisão da protagonista de confrontar a outra mulher.
Uma Experiência Privada [33:16]
O conto "Uma Experiência Privada" se passa em Kano, no norte da Nigéria, durante um período de conflito étnico entre Hausas e Igbos. A protagonista, uma jovem rica que mora na Europa, visita a tia e se vê presa em meio a um tumulto. Ela é protegida por uma mulher muçulmana, e o conto explora o cuidado entre duas mulheres de diferentes religiões em um contexto de violência masculina. A professora destaca a importância de conhecer a história da Nigéria para apreciar a profundidade do conto.
Fantasmas [35:34]
O conto "Fantasmas" se passa em duas temporalidades: o presente, nos anos 2000, e o passado, durante a tentativa de independência de Biafra. A história gira em torno de um professor universitário decadente que lida com os fantasmas da guerra, incluindo a perda do filho e a possível traição de um amigo considerado herói. A professora destaca a importância da língua e da identidade cultural no conto, mencionando como os personagens usam diferentes idiomas para expressar diferentes emoções.
Na Segunda-Feira da Semana Passada [40:32]
O conto "Na Segunda-Feira da Semana Passada" se passa na Filadélfia e explora as sutilezas da violência entre mulheres negras. A história narra a relação entre uma mulher nigeriana que trabalha como babá para um casal birracial e a mãe do menino, uma artista negra. A professora destaca a interseccionalidade presente no conto, com a exotificação da cultura africana e a substituição do objeto de desejo da protagonista por uma mulher branca.
Jumping Monkey Hill [44:39]
O conto "Jumping Monkey Hill" se passa em um congresso de literatura africana na África do Sul e aborda questões de identidade africana e violência de gênero. A protagonista, uma escritora nigeriana, participa do congresso e se depara com um professor africano que se considera o "rei da literatura africana". A professora destaca a metalinguagem do conto, que fala sobre a escrita, e a forma como a protagonista questiona o conceito de "tipicamente africano" ao narrar sua própria experiência de assédio sexual.
No Seu Pescoço [48:18]
O conto que dá título ao livro narra a história de uma mulher negra que se relaciona com um homem branco que não compreende suas experiências e perspectivas. A professora destaca a cena em que o homem não entende a ofensa que a protagonista sente ao ser presumida como não namorável por um garçom chinês. O conto explora a angústia da protagonista e a sensação de ter algo apertando seu pescoço, impedindo-a de respirar. No final, ela decide deixar o homem, mesmo ele não tendo feito nada de errado.
Outros Contos e Reflexões Finais [51:18]
A professora menciona brevemente outros contos do livro, incluindo um conto sobre a perda de um filho durante um regime autoritário e um conto sobre a amizade entre dois nigerianos imigrantes nos Estados Unidos. Ela destaca a importância da literatura para promover a compreensão mútua entre diferentes culturas e sociedades, especialmente em um mundo onde a união política e prática é difícil de alcançar. A professora encerra a aula com uma reflexão sobre o simbolismo do pescoço como um espaço de violência racial e um convite à leitura como forma de afrouxar as "cordas" que aprisionam.
A Historiadora Obstinada e Comparação com Conceição Evaristo [1:00:26]
A professora compara o conto "A Historiadora Obstinada" com o conto "Alegria do Seu Povo" de Conceição Evaristo, destacando a presença de elementos ancestrais e míticos em ambos. Ela ressalta a importância das figuras femininas nas obras de Adichie e Evaristo, que vencem "apesar de não deverem". A professora encerra a aula enfatizando a capacidade da literatura de unir pessoas de diferentes culturas e a importância de um "decoro" com a literatura, pois ela é a única capaz de promover uma compreensão mútua como sociedade.